segunda-feira, 9 de março de 2015

[BÊ ÉRRE]


Estou à bordo de um veículo que não navega. Nele embarquei, dele vou desembarcar. Dentro dele se permite sonhar. Sonhamos eu e os outros. Democráticos no nosso espaço, silêncio e sono. Com o barulho e o tremor vamos sentindo que vamos, passíveis do condutor. Aqui cruzamos os braços, contamos eucalíptos, imaginamos de onde vem os animais que se alimentam do pasto que parece infinito. Se pensa sobre as casas no meio do nada, sobre as barracas de castanhas e laranjas. Castanhas em pacotes, laranjas em rede. Meninos com sede que vão e vem abastecer as prateleiras de madeira e pendurar nos pregos frutas frescas.

No anoitecer o escuro é denso, na viração o sol é intenso. Moscas de luz, rajadas, mosquitos de chuva, água. Sereno que desce do céu sem se ver. Há as montanhas de perto, há as que mais parecem sombras. Background pintado de filme dos anos 30. Quase não há gente, consenso coletivo em fingir não-solidão. Pode haver música nas orelhas, lápis e papel no colo, telefone na mão, mãos sobre a cabeça ou atrás dela. Pés no chão ou em apoiadores. Quilômetros que vão, quilômetros que vento. Ouvir o lado de fora não deixa ouvir o lado de dentro.

Há as memórias que vem, que em nada dialogam com a paisagem, mas que –penso --, precisam de paz de espírito para fazer passagem. Paz essa, da qual inclusive disfruto para seguir viagem.


Foto: Lesley Dodson

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