Estou
escrevendo num caderno. Pautas distantes das extremidades, canetas coloridas,
não tenho mais medo de rabiscar. Nem medo de mim há. Já estou naquela idade em
que se perde um pouco da vergonha, em que é possível amar a si mesmo sem
rodeios, cobranças ou recalques.
Acordo cedo, ligo a tevê, ouço as notícias e
penso no que escrever nesse caderno. Ando tão em dúvida sobre coisas básicas do
meu ser. Com uma estranha saudade de quando eu lavava roupa na mão e pensava em
milhões de coisas indizíveis, e aquele era momento de sagrada reflexão, de
lembrar as melhores músicas de Gil, de chorar comigo mesmo cantando-as fora do
tom. Quando o tempo não me era escasso e eu vivia daquele jeito que Maury disse
que Clarice receberia sua carta, “sonhando em plena luz do dia”.
Agora
sonhar envolve tantas coisas diferentes. Tantas coisas desse mundo. Queria que
viver em paz ainda fosse sentar à mesa para comer com os seus. Viajar pra bem
pertinho com as crianças, pic-nics na estrada, jogos de palavras do banco da
frente pro banco de trás. Mas é esse mundo que me faz querer mais e me sentir
mais pequeno. Tenho medo desse veneno, medo de voltar atrás em tudo que sei ser
o que sou. De seguir adiante, mas sem rumo. Confusão eu não arrumo. Mas também
não peço arrego.