O que será
é. Mal resolvido no coração que não dá vasão ao medo. Perguntas em som de
pêndulo, dúvidas com peso de perdas. Sem saber o que é, com uma leve impressão
do que tenho nas mãos, sigo vivo. Divido sonhos com o resto da população.
Tomamos o mesmo coletivo, nos cruzamos pelas calçadas, trocamos dinheiro por
ítens básicos para a sobrevivência. No caminho pro meu destino, meu olhar
altivo se coloca do lado do olhar perdido desse que segura as barras de mãos ao
alto, rendido à rotina e à luta diária. Minhas dúvidas, penso, brilham em
letreiro na minha testa. Se aproxima quem não tem pressa, se achega quem se
identifica. Não saber não implica. Quero no no fundo, ser um pouco igual à todo
mundo. Descer, caminhar, abrir a porta do destino, fazer o caminho existir e
contar.
Quero a minha parte desta terra
imensa, de tantos donos, que segue injusta na mão de poucos. Tolo eu que me
pergunto ainda, que não durmo diante do silêncio, que não calo na boca do
alvoroço, que choro afogado na enchente. Um furo de bala rompe a noite na
fotografia do jornal de amanhã. Cachaça é pra quem tem coragem. A mim, basta um
gole. Rasgo o peito na vala funda de um amor de muitos quilômetros de memória e
distância. Rasgo a garganta com a fumaça que acortina e revela. Rasgo a página que
trata o próximo como número. Eu também, um número. RG, CPF, oito dígitos de um
telefone móvel, o vigésimo terceiro na fila do banco. Aqui, esperando chamarem
meu nome, meu peito grita o teu.
A única coisa que sei de antemão, diante
da minha confusão, é que a certeza da humanidade do mundo se figura em mãos
dadas. Amor que passa pelas extremidades dos dedos. Energia que se faz em
corpo. Corpo que se faz em espécie. Espécie que se faz em ser espírito sobre
duas pernas, vivendo o mundo terreno, se afogando em beleza, explodindo em
exaspero, marejando; mesmo sem tristeza.
Arte: Henrietta Harris
Texto: Eliza Araújo e Raquel Medeiros