terça-feira, 2 de setembro de 2014

[CANÇÃO]


Do jeito que se mexia, naquelas meias trançadas que Fitgerald num livro chama tantas vezes de stockings, parecia que se amava. Se amava naquele corpo, daquele jeito, dentro daquela música que tocava. Se amava por direito; sem pleito de lado algum, a despeito dos que se continham dançando num balanço de conformidade, pesado pra idade, confuso pro coração.

Nada lhe prendia a não ser as meias. O que lhe prendia, no entanto não lhe  impedia o sangue de descer pelos pés, o calor de subir pelas canelas, a música de se chocar com a percusão de dentro, de coisa viva pulsando, querendo, buscando vida e encarnação, fazendo demarcação de passo, constância de canção.


De compasso descabido, de descabelo comprido, nada que precisasse explicar a quem quer que fosse. Nada que lhe custasse a liberdade de dançar como queria, apoiar-se na estrutura que lhe mantinha em pé, empostar a fé que lhe cabia na cabeça erguida e peito aberto. Sem dúvidas, sem dívidas, sem sanções. Aberto no mundo, mas preso nas canções. Preso apenas pelo compasso teso, certeiro em continuar, em não acabar na canção indo embora quando o coro canta mais baixo. É que ser pra sempre era compromisso; como era mudar apenas um pouco. Conservar apenas o louco que cantava os coros de outrora no ouvido de agora, definindo o então.    

Ilustração: Gabriel Araújo

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