Do jeito
que se mexia, naquelas meias trançadas que Fitgerald num livro chama tantas
vezes de stockings, parecia que se amava. Se amava naquele corpo, daquele
jeito, dentro daquela música que tocava. Se amava por direito; sem pleito de
lado algum, a despeito dos que se continham dançando num balanço de
conformidade, pesado pra idade, confuso pro coração.
Nada lhe
prendia a não ser as meias. O que lhe prendia, no entanto não lhe impedia o sangue de descer pelos pés, o calor
de subir pelas canelas, a música de se chocar com a percusão de dentro, de
coisa viva pulsando, querendo, buscando vida e encarnação, fazendo demarcação
de passo, constância de canção.
De compasso
descabido, de descabelo comprido, nada que precisasse explicar a quem quer que
fosse. Nada que lhe custasse a liberdade de dançar como queria, apoiar-se na
estrutura que lhe mantinha em pé, empostar a fé que lhe cabia na cabeça erguida
e peito aberto. Sem dúvidas, sem dívidas, sem sanções. Aberto no mundo, mas
preso nas canções. Preso apenas pelo compasso teso, certeiro em continuar, em
não acabar na canção indo embora quando o coro canta mais baixo. É que ser pra
sempre era compromisso; como era mudar apenas um pouco. Conservar apenas o
louco que cantava os coros de outrora no ouvido de agora, definindo o então.
Ilustração: Gabriel Araújo
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