Chorei com a música como se lembrasse dela, como se nela
estivesse impresso o drama de um momento sobre o qual nem devesse discorrer.
Meu soluço quase silencioso, não sei se era de calafrio ou de horror. Chorar
daquele jeito me transportava pra outra época, em que tinha praticamente outra
pele. Outro dia vira na tevê como a cobra troca de pele. Que coisa horrível é
ser o espectador da transição. Uma coisa horrível mesmo com a distância e
proteção da tela e da dublagem sobreposta à fala do especialista. Mas de fato, dela,
da troca de pele, eu havia passado. A couraça que me fazia sentir maior já
tinha evaporado no tempo, a que me impunha como modelo, já caíra em farelos
pelo caminho, aquela que vesti quando tinha certeza de todo o meu futuro já
caíra em suor. Naquela ocasião corrida, sem olhadelas pra trás, água do corpo
vertera, quase não querendo abandonar o sistema.
Mas o fato é que chorei. Água dos olhos vertia. Água me
despia na frente dos outros convidados já quase me trocando de novo de pele.
Escondi meu rosto emocionado sem saber que me curvava e me contorcia em medo.
Não queria ouvir o momento mais orquestrado da música ali exposta, vertendo
água salgada dos olhos, como se tivesse uma estaca no peito. Respirei tão fundo
que tossi com a confusão de verter água e inalar. Desculpa perfeita para ir buscar
um copo d’água. Levantei cambaleante e tropecei no pé do fumante. Errante,
busquei um copo americano. Na água que repus, o alívio. Na mente a dúvida de
porque chorei. No corpo a dívida, com a pele que não mais habito.
Nenhum comentário:
Postar um comentário